Sou natural duma terra, Monção, onde todos os anos, no dia do Corpo de Deus, se celebra um evento de cariz semi religioso, conhecido por festa da Coca. Todas as romarias do meu Minho sem par são essencialmente religiosas, contudo, quase todas elas exibem também uma vertente profana. Esta de que vos estou a falar é uma festividade muito antiga e de grande tradição que, após um acentuado declínio de alguns anos, voltou a ressurgir com todo o seu esplendor. Ela faz parte das recordações e do destrambelhado imaginário da minha infância. Saíamos da escola a correr como doidos para podermos apanhar um lugar no carro das ervas puxado por uma junta de bois bem aparelhados com aprimorada canga, levando á frente o corpulento Boi Bento, muito luzidio e enfeitado como convinha. Já dentro do carro, íamos cantando, de goelas abertas e com alvoroço, um certo estribilho de que já não me recordo bem.
E então perguntareis vós: a que propósito se faz alusão, num blogue sobre o Benfica, a uma festa da tradição popular? Caros amigos, como estamos no defeso e os temas que vão surgindo sobre o nosso clube eu não os quero nem me sinto suficientemente preparado para os abordar, entendi divagar sobre assuntos mais amenos e que, de algum modo e como é o caso, apresentam uma faceta comum em termos de simbolismo.
A Coca, ou santa Coca como diz o povo, é o nome do dragão que figura na procissão do Corpus Christi em Monção e com o qual S. Jorge trava uma tradicional batalha, desde tempos remotos no largo principal daquela Vila, chamado de Praça Deu-la-Deu e, muito recentemente, num recinto mais apropriado junto dos quartéis dos Capuchos. Na referida procissão a luta do arcanjo com a Coca constituía um dos passos mais curiosos das festividades, terminando esta quando o cavaleiro cortava uma das orelhas do terrível Asmodeu. A sua importância parecia transcender o próprio acto religioso pois o povo enfatizava o refrão;
“… Por causa da santa Coca, perdi o diabo da missa.”
Achavam que esse dragão é que era santo, tal e qual como ainda hoje e no mesmo paralelismo, os seus fanáticos seguidores entendem que o clube corrupto é que é sério, impoluto e honrado.
Rezava a lenda que a dita Coca vivia numa enseada negra que fica bem por baixo do lado norte da muralha, virada ao rio Minho e defronte da margem galega, denominada Poço da Couraça que se dizia não ter fundo. Sítio escuro e lúgubre, como quadrava a uma figura tão sinistra e que, como já disse, representa muito bem o Grémio do Freixo.
Em termos mais filosóficos poder-se-á concluir com propriedade que o torneio entre a Coca e S. Jorge não é mais que a eterna luta da Verdade contra a Mentira, da Paz contra a Violência, da Dignidade contra a Injustiça, da Luz contra as Trevas, da Mulher contra a Serpente, do Bem contra o Mal. É evidente que, por desejo e tendência, o Bem sairá sempre vencedor, degolando as Bestas e os Dragões que se movimentam rastejando pelos covis da Iniquidade.
E não tenham quaisquer dúvidas; pode tardar mas, á semelhança da Coca, os Corruptos de Contumil, hão-de ser banidos do convívio da gente séria e do desporto deste País, como assim era nesse tempo dos feéricos arraiais e das álacres e trepidantes romarias da minha juventude!