sábado, 8 de outubro de 2011

GERAÇÕES SEM CONFLITOS















Por via de certas quezílias que sucedem no dia a dia, aborreci-me com o pessoal da casa onde todos as manhãs ia tomar o meu café e dar dois dedos de conversa com os amigos. Dessa forma, mudei para outro estabelecimento perto dali  pois, como soe dizer-se, cafés há muitos e o freguês tem sempre razão. 
Sentado a uma mesinha logo surgiu para me servir uma rapariga para mim desconhecida, fogosa e cheia de simpatia, com a solicitude e presteza dos seus frescos dezoito anos. 
Um pingo normal, bem quentinho; pedi eu.
Dali a instantes, sempre sorridente, a moça colocou na minha frente o que pedira e pude então reparar na sua rara beleza. A mão que me estendia a chávena era pequenina, bem feita, podia dizer-se, uma jóia de porcelana. O rosto lindo como o de um anjo; imagino, porque eu nunca vi nenhum anjo, porém, estou certo de que nenhum anjo poderia ser mais resplendente: um botãozinho de aleli, um raiozito de lua duma noite de Janeiro. Tinha nas orelhas brincos de pechisbeque com pingentes que lhe iam debicando com leveza as protuberâncias assomadas no peito, das suas perfeitas e sedutoras maminhas, duas suculentas maçãs do paraíso. Por fim, sobressaía ainda nela um traseiro bem torneado, completando o elegante conjunto de toda a sua harmoniosa figura. Todo o seu porte era  de uma irreal escultura, com mais justeza uma verdadeira obra de arte. Não se via, mas sentia-se que daquele ser irradiava um fogo telúrico, em labaredas crepitosas, semelhante ao que ardia outrora  dentro de fornalhas mitológicas. 
Embora marcado pela fantástica impressão, o que mais me atraiu na jovem foi, contudo, ter visto a sair-lhe do bolso da bata que trazia vestida, um pequeno lenço em cuja ponta figurava o  emblema do Benfica, bordado com esmerada perfeição. 
Sem receio, atirei-lhe então:
Miúda, como te chamas?
Karina, respondeu de imediato.
És muito bonita, sabes?
Sorriu, sem mostrar lisonja.
Vejo que gostas do Benfica:
Quase me não deixou acabar e olhando intencionalmente para o lenço, foi sorrindo:
Desde pequenina, meu senhor: gostava de ir ver um jogo a Lisboa, ao estádio da Luz, mas não posso. Nunca fui a Lisboa: 
O quê, tu nunca foste a Lisboa?
Nunca calhou;
Deixa lá, disse eu em jeito de reconforto. Olha, se queres que te seja franco, eu também ainda não vi o novo estádio da Luz.
Em face disto, agora lá me encontro eu sempre, todas as manhãs,  no novo café, ali perto de mim, aproveitando todo o tempo que posso para conversar com tão sedutora garota. 
Porém, quando regresso a casa, vou cismando sempre nas voltas que a vida dá. Se bem possa dizer-se que as gerações mais antigas possuem o apanágio da grande experiência e são credoras de merecida veneração, para mim não passam já, em termos vivenciais, de farrapos, de refugo, de lixo do passado, quando confrontadas com a força e generosidade da linhagem que desponta. 
Quando me é dado ver o sócio número um do nosso Clube, centenário encarquilhado e relho, compreendo a necessidade da morte e não me revolto, nem lamento, nem sinto saudade; apenas satisfação por ter vivido, conformismo por ter chegado e, porventura, ânimo ainda para conviver com a juventude que  se vai cruzando comigo. 
E pronto, a partir dali, nasceu entre mim e essa encantadora jovem uma irresistível empatia, como entre um avô e uma neta, quiçá mesmo bisneta, tão distantes eram os mundos que separavam as nossas origens. Procurei sempre a convivência com gerações diferentes da minha, pois entendo que não devem existir conflitos entre elas e sim que as mesmas se deverão completar. 
Devo concluir que as gerações mais novas se podem misturar sem conflito algum com aquelas que as precederam, sobretudo se ambas se deixarem unir por valores transcendentais e eternos, compreensão e respeito, muito mais se adorarem os mesmos deuses, como é este meu caso; o da moça era o Benfica, o meu também o era.


Sem comentários: